Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos
18/07/2017 - Autor: Jolanda Goedert

“Tolerar a existência do outro,

E permitir que ele seja diferente,

Ainda é muito pouco.

Quando se tolera,

Apenas se concede

E essa não é uma relação de igualdade,

Mas de superioridade de um sobre o outro.

Deveríamos criar uma relação entre as pessoas,

Da qual estivessem excluídas

A tolerância e a intolerância.”

(José Saramago)

 

Resenha. BAUMAN, Zygmut. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos/tradução Carlos Alberto Medeiros. Rido de Janeiro: Zahar, 2004.

 

Segundo o autor, a obra “é dedicada aos riscos e ansiedades de se viver junto, e separado, em nosso líquido mundo moderno[1]”.

O autor disserta sobre a fragilidade dos vínculos humanos – fenômeno denominado pelo autor de amor líquido - buscando esclarecer que os seres humanos desejam desesperadamente relacionarem-se, mas de uma forma paradoxal, porque querem, simultaneamente, a segurança do convívio experimentado pela relação em si e a liberdade para experimentarem novas possibilidade, fazendo com que as relações sejam fugazes, insipientes e confusas.

Considerando o cenário da vida moderna, vislumbra-se que a abundância e a evidente disponibilidade das experiências amorosas alimentam a ideia de que amar é uma habilidade que se pode adquirir e referida habilidade aumenta conforme novas experiências são vividas.

Nesse contexto, os homens e mulheres estabelecem relações efêmeras, pela satisfação dos desejos e dos impulsos, evitando a criação de vínculos, pelo medo de sofrer na relação ou por puro individualismo, quando não as estabelecem por pura frustração, pelo fato de o parceiro não corresponder às expectativas e aos ideais da relação ou porque vive a procura da pessoa ideal.

Assim, as relações atuais não se baseiam somente pelo prazer, mas também pela impulsividade, de forma que da atração sexual, motivada pela impulsividade, decorre uma união, supostamente com a pessoa ideal, mas, com o decorrer do tempo, essas expectativas são frustradas e a relação tende a acabar.

Isso porque, segundo Bauman, a relação é vista, assim como os bens de consumo, como algo instantâneo, que pode ser usado uma só vez, podendo ser eminentemente descartável, livre de vínculos, mas corroída pela insegurança, porque presa psicológica e espacialmente pelo medo do outro.

Nessa perspectiva, os relacionamentos adotam características de descartabilidade, superficialidade, individualidade, liberdade, busca pelo prazer e impulsividade na tomada de decisões, porque a promessa de aprender a arte de amar, segundo Bauman, é “a oferta de construir a experiência amorosa à semelhança de outras mercadorias que fascinam e seduzem exibindo todas essas características e prometem desejo sem ansiedade, esforço sem suor e resultados sem esforços”. Por isso, essas “mercadorias” – fillhos ou cônjuges – são passíveis de investimento –, sejam recursos ou até mesmo o tempo – sendo seu valor e “descarte” determinando pelo custo deste investimento, sendo “o compromisso é uma consequência aleatória desse fenômeno”. Entretanto, “quando se entra num relacionamento, as promessas de compromisso são irrelevantes a longo prazo”, porque relacionamento não passa de um investimento como qualquer outro, nunca haverá segurança plena de sucesso.

“Investir no relacionamento é inseguro e tende a continuar sendo, mesmo que você deseje o contrário: é uma dor de cabeça e não um remédio.[...] a solidão produz insegurança – mas o relacionamento não parece fazer outra coisa. Numa relação você pode sentir-se inseguro tão quanto ela, ou até pior. Só mudam os nomes que você dá à ansiedade.”

E quando a segurança aparece, há a perda da confiança, da ponderação e da estabilidade da relação, dando lugar à submissão e ao poder absoluto, à aceitação humilde e à conquista arrogante, causando a destruição da autonomia e sufocando a do parceiro e consequentemente a relação está fadada ao fracasso.

Assim, homens e mulheres, insatisfeitos, mas persistentes, continuam nessa busca pelo amor ideal, formando novos campos de buscas, que atualmente bailam o mundo por meio dos encontros virtuais, onde a liquidez da relação é patente e o risco é controlável, bastando deletar o perfil no primeiro momento de desinteresse ou frustração, sem mesmo existir contato pessoal.

Obviamente que o acesso da rede, por si só, não é responsável pela brevidade das relações amorosas, muito embora contribuam de forma significativa para a ausência de contiguidade física, tornando as relações menos descompromissadas.

Por isso a tentação de se apaixonar é tão grande, bem como é também a atração de escapar. E aqui, a paixão é um dos fatores que podem explicar a impulsividade nos relacionamentos, porque quando se apaixona, há a tendência a acreditar inicialmente que se encontrou o parceiro ideal, capaz de satisfazer totalmente as aspirações amorosas. No entanto, a atração e os objetivos de vida que, inicialmente pareciam os mesmos, a longo prazo, acabam resultando no fim das relações, e, consequentemente, a paixão sequer possibilita o surgimento do amor, sequer há um enfrentamento dos problemas surgidos, é mais fácil terminar e estar livre para nova possibilidade.

Assim, “a parceria é somente uma coalizão de “interesses confluentes” e “no mundo fluido” [...], as pessoas vêm e vão, as oportunidades batem à porta e desaparecem novamente após serem convidados a entrar”, porque a intenção de manter a afinidade viva e saudável prevê uma luta diária e não promete sossego à vigilância, tão contrário ao que nos é oferecido nesse líquido mundo contemporâneo, que não permite tudo o que é sólido e durável. Deu-se a substituição dos “interesses compartilhados” para a “identidade compartilhada”.

Nesta senda, o viver juntos, não passa de intenções modestas, as declarações são destituídas de solenidade, sendo mais comum a opção de conviver em união estável que consagrar a união mediante o casamento, que é , pode-se dizer, a aceitação da casualidade que os encontros casuais se recusam a aceitar. Segundo Bauman, “o viver juntos é por causa de, não a fim de. Todas as opções mantem-se abertas, não mais se permite que sejam limitadas por atos passados.[...] Viver juntos não representa a ponte que conduz ao abrigo seguro do parentesco, nem o trabalho de construí-la”.

Da análise das relações amorosas contemporâneas, os casais são confrontados pela alteridade. Há a necessidade de se investir nos desejos e projetos comuns do casal, bem como há a necessidade de investir nos ideais de individualidade de cada um, que estimulam a autonomia dos parceiros.

Por óbvio, nesse mundo líquido, sem humildade e coragem não há amor, porque o amor diz respeito à autossobrevivência através da alteridade.

Amar traduz-se, na maioria das vezes, como um ato arriscado, perigoso, pois se desconhece, a priori, seu resultado final. Assim, as pessoas temem viver o amor na sua plenitude, porque não querem desenvolvê-lo ao máximo, ir além de suas capacidades, porque isso implica em adequar-se, adotar ou modificar atitudes, e acima de tudo, implica investir significativamente em um relacionamento e, depois, se a relação demonstrar sinais de desgaste, podem ser deixadas para trás.

Nessa ordem, as relações amorosas já não são vistas como prioridade nos projetos de vida, os quais estão, atualmente, voltados para realização pessoal, realização profissional e projetos individuais, que possibilitam a autossatisfação e autorealização.

Ainda assim, alerta Bauman que a “identidade individual também seja uma construção transitória, muito embora, atualmente, no mundo líquido sem a necessidade de homogeneidade conjugal o individual é o imperativo”, sendo premente a busca por uma humanidade comum e solidária, de forma que seja novamente possível unir projetos individuais e ações coletivas, e para que se possa ter a consciência da angústia do eterno recomeçar, porque a solidariedade, fundamental para o bem-estar da comunidade, ainda não é consumível, pois é decorrente de laços mais estreitos que envolvem obrigações e responsabilidades em relação ao outro.

 


[1] Pg. 13

Home | O Escritório | Áreas de Atuação | Advogados | Contato | Artigos e Publicações

Av. Cândido de Abreu, 469 Centro Cívico - Curitiba - PR - CEP: 80530-000 | E-mail: contato@seixasadvocacia.com.br | Telefone: 41 3077.6072

Paulo Marcelo Seixas | Advogados Associados - Todos os direitos reservados

325 WEB - Criação de Sites e Sistemas para WEB