Nem todo acordo entre concorrentes é ilegal, todavia há uma fina barreira entre, nestes casos, o lícito e o ilícito.
A Lei Antitruste, em seu art. 36, caput, traz um rol exaustivo das ações que caracterizam infrações a ordem econômica, ou condutas anticoncorrênciais ilícitas, segundo Nester[1]. No entanto, o § 3º do artigo em comento traz um rol exemplificativo daquelas condutas.
Entende-se, portanto, que o acordo entre concorrentes será ilícito quando, entre outras formas, acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma: (a) os preços de bens ou serviços ofertados individualmente; (b) a produção ou a comercialização de uma quantidade restrita ou limitada de bens ou a prestação de um número, volume ou frequência restrita ou limitada de serviços; (c) a divisão de partes ou segmentos de um mercado atual ou potencial de bens ou serviços, mediante, dentre outros, a distribuição de clientes, fornecedores, regiões ou períodos; (d) preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública;[2]
Todavia, este acordo deve, incontinenti: (a) limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; (b) dominar mercado relevante de bens ou serviços; (c) aumentar arbitrariamente os lucros; e (d) exercer de forma abusiva posição dominante.
Ora, deontologicamente falando, portanto, o acordo entre concorrentes será ilícito apenas quando, dentre uma das quatro alternativas acima, infrinjam a ordem econômica. Isto admitindo-se que o limite axiológico da norma não seja ultrapassado.
Não se deve confundir, aliás, práticas conlusivas e paralelismo. Didaticamente assevera Gico:
O paralelismo ocorre quando concorrentes adotam uma mesma política comercial, como preços, condições de vendas, financiamento, fórmulas de preços, formas de entrega, qualidade de produtos e etc. Quando o paralelismo é fruto da racionalidade econômica individual de cada agente, isto é, a conduta uniformizada seria adotada pelo agente mesmo na hipótese de os demais concorrentes não a adotarem, a identidade de condutas seria absolutamente irrelevante do ponto de vista concorrencial. Trata-se simplesmente de respostas idênticas, mas não relacionadas, de um grupo de concorrentes na mesma condição ao mesmo conjunto de fatos econômicos. O paralelismo não teria significado jurídico de si e por si, dependeria sempre de outros fatos. Assim, a existência de comportamentos paralelos não constituiria qualquer evidência de acordo, salvo se fatos adicionais demonstrassem que a racionalidade da conduta está intrinsecamente vinculada à adoção da mesma conduta pelos demais][3]
Além disso, entre trocas de informações e acordos entre concorrentes pode gerar consequências pró-concorrenciais. Segundo Monteiro:
Conforme mencionado na Introdução, há situações em que troca de informações produzem efeitos pró-competitivos enquanto em outras os efeitos são a facilitação de práticas colusivas. Haverá situações em que ambos os efeitos (positivos e negativos) serão gerados e caberá à autoridade, no caso concreto, determinar quais deles predominam. É aí que geralmente surgem as maiores polêmicas.[4]
Nada obstante, um acordo entre concorrente só será crime se se enquadrar no rol das normas que caracterizam práticas ilícitas da Lei Antitruste, e, obviamente, não ultrapassar o axioma da regra.
Ademais, o conjunto probatório para que se evidencie o ilícito é matéria demasiada forçosa. Exemplificando, a mera igualdade de preços de produtos entre concorrentes não caracteriza cartel e tampouco é matéria suficiente para a iniciação de uma investigação. Segundo Medina, a combinação de valores precisa estar evidente, seja em uma ata de reunião, seja via interceptação telefônica.[5]
Segundo o Tribunal de Recursos do 7º Distrito dos EUA, são, apesar da dispendiosidade, necessária provas explícitas e substanciais para comprovar a formação do cartel:
The challenge to the plaintiffs in discovery was thus to find evidence that the defendants had colluded expressly—that is, had explicitly agreed to raise prices—rather than tacitly (“follow the leader” or “consciously parallel” pricing). The focus of the plaintiffs' discovery was on the information exchange orchestrated by the trade association, the change in the defendants' pricing structures and the defendants' ensuing price hikes, and the possible existence of the smoking gun—and let's begin there, for the plaintiffs think they have found it, and they have made it the centerpiece—indeed, virtually the entirety—of their argument.[6]
Ora, partindo do pressuposto que são necessária provas explícitas para a comprovação de formação de cartel, e não só implícitas como lineamento de preços, por exemplo, percebe-se que é tarefa martiriosa comprovar efetivamente a prática do ilícito.
Administradores de empresas que são potenciais formadoras de cartéis possuem plena consciência que é um ato ilegal, dito isto, tendo em vista a tomada racional de decisões, obviamente este acordo (de cartel) jamais será levado a uma ata de reunião.
A forma mais fácil, porém mesmo assim com demasiada dificuldade por conta dos trâmites judiciais e administrativos para consegui-las, é a gravação telefônica, porém, mesmo assim, deve-se ter em consideração que esses “criminosos” terão vênias ao utilizar este aparelho para tratar de assunto tão delicado. Também, pode-se utilizar a colaboração premiada, matéria também extremamente dificultosa.
Destarte, conclui-se que a forma de comprovação de cartel, atualmente aceita por tribunais, é extremamente complicada, visto serem necessárias provas explícitas de autoria e materialidade e não apenas indícios.
Além disso, ainda sobre os cartéis, é manifestamente equivocado dizer que "cartel pressupõe preços iguais", assim como a recíproca é verdadeira, se houver preços iguais, não necessariamente haverá cartel.
Ora, visto que acordos para burlar a concorrência são tidos como cartéis, pode-se perceber que, em forma de exemplo, empresas que acordam para retirar algum concorrente do mercado, podem combinar abaixar demasiadamente seus preços, todavia isso não quer dizer que os preços serão os mesmos.
A divisão de clientes entre empresas também não significa, necessariamente, que os produtos terão preços iguais.
Retira-se da lei antitruste brasileira que:
Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;
II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;
III - aumentar arbitrariamente os lucros; e
IV - exercer de forma abusiva posição dominante.
Ora, percebe-se que as práticas descritas na lei podem, ou não, serem caracterizadas como ilícitas. Tudo irá depender do caso concreto.
O inciso I do citado artigo dispensa maiores comentários nesta breve síntese.
O inciso II, por exemplo, diz que é infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos possam fazer com que a empresa “domine mercado relevante de bens ou serviços”.
Sem a intenção de exaurir o conceito de mercados relevantes, é necessário separa-los em: mercado relevante geográfico, material e temporal.
Estes conceitos, todavia, são demasiado amplos. Assim, vai caber ao SBDC (formado pelo CADE e SEAE) determinar qual vai ser o mercado relevante em determinado caso, cabendo, também, ao advogado da empresa que supostamente está cometendo os ilícitos, criar teses que defendam o melhor interesse do seu cliente.
Não obstante, isto foi posto apenas a título exemplificativo da dificuldade de avaliação se há ou não ilícito concorrencial acontecendo.
Assim, é imprescindível a figura de um advogado qualificado para que defenda as sociedades acusadas de tais infrações.
[1] NESTER, Alexandre Wagner. O Novo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, n. 64, junho de 2012. Disponível em: http://www.justen.com.br//informativo.php?!=pt&informativo=64&artigo=668. Acesso em 17 mai. 2017.
[2] Lei 12.529 de 30 de novembro de 2011 – art. 36 § 3º
[3] GICO, Ivo T., Cartel - Teoria Unificada da Colusão, São Paulo, Lex Editora S.A., 2007. P.133
[4] MONTEIRO, Alberto Afonso. Troca de Informações entre Concorrentes: limites e possibilidades da configuração de prática anticoncorrencial autônoma. Disponível em: http://www.veirano.com.br/upload/content_attachments/96/Troca_de_Informacoes_entre_Concorrentes_2013_original.pdf. Acesso em 15 mai. 2017.
[5] OSÓRIO, Medina. Formação de Cartel, Uma prática Difícil de Comprovar. Disponível em: http://www.medinaosorio.com.br/Formacao-de-Cartel-uma-pratica-dificil-de-provar/ Acesso em: 24 mai. 2017.
[6]POSNER, Richard. United States Court of Appeals,Seventh Circuit. No. 14–2301. Decided: April 09, 2015. Disponivel em http://caselaw.findlaw.com/us-7th-circuit/1697266.html. Acesso em 24 mai.
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